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POR MIGUEL ZAIM

O AIRBNB e suas implicâncias na convivência entre moradores.

O direito sempre foi uma ciência mutável. Essa mutação contínua, acompanha a sociedade e seus costumes.

Atualmente estamos tão atrelados à tecnologia e às praticidades do dia a dia que todas as nossa formas de vivência, relações econômicas e sociais estão mudando. Nossa forma de pedir comida, de utilizar um banco, de manter contato com pessoas conhecidas e também nossa maneira de viajar.

Foi pensando nisso que desde o ano de 2012 chegou ao Brasil o aplicativo “Airbnb”, o qual permite que seus usuários possam disponibilizar seus imóveis para hospedagem e locações por curtos espaços de tempo, podendo variar de um dia, uma semana ou até mesmo algumas horas, tudo isso com maior flexibilidade e menores preços.

Todavia, embora essa prática não seja ilegal e esteja se tornando mais comum a cada dia, ela ainda vem gerando muitas discussões nos condomínios país afora. Afinal, pode o síndico proibir que o condômino alugue seu apartamento para a estadia de outras pessoas?

A princípio nosso entendimento é, não.

O síndico não pode proibir que o condômino se utilize do seu apartamento, pois, ao fazê-lo, estaria ferindo um direito fundamental do condômino, qual seja, o direito à propriedade.

O direito à propriedade é um direito fundamental de todo cidadão, insculpido no art. 5º, XXII, da Constituição Federal, bem como no art. 1.228, do Código Civil:

Art. 5º (Constituição Federal de 1988) – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

(...);

XXII – é garantido de propriedade.

Art. 1.228 (Código Civil) – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Porém, esse direito não é ilimitado, devendo estar em consonância com a função social da propriedade, o direito da coletividade e os princípios da vizinhança, pois como já diz o ditado popular: “onde termina o direito de um, começa o direito de outro.”

O direito à propriedade tem sua maior limitação no direito de vizinhança, sendo estes insculpidos nos artigos 1.277 e 1.336, IV, do Código Civil, como vemos abaixo:

Art. 1.277. – O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocados pela utilização da propriedade.

Parágrafo único – Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações de tolerância dos moradores da vizinhança.

Art. 1.336. – São deveres do condômino:

(…);

IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

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Devemos sempre lembrar que a locação residencial rege-se pela Lei 8.245/91, a qual estabelece a locação típica (por mais de 90 dias) e a locação por temporada (até 90 dias).

No caso do “Airbnb”, as locações ocorrem por um prazo mais breve, caracterizando, portanto, como a maioria dos juristas entendem, uma mudança na finalidade residencial, para uma finalidade comercial do condomínio, se encaixando na lei de hospedagem, qual seja, a Lei. 11771/2008.

Lembrando que é possível sim a mudança de finalidade do condomínio, de residencial para comercial (e vice versa), porém esta deve ser realizada em assembleia convocada para fim específico e com quórum especial para tanto.

Muitos condomínios reclamam que o aluguel através do “Airbnb” desrespeita o direito de vizinhança, gerando uma falta de segurança, uma alta rotatividade de pessoas estranhas ao condomínio e que muitas vezes esses visitantes/hospedeiros não respeitam os princípios básicos dos condomínios, tais como o código de silencio, animais, uso de áreas comuns, pois, como é óbvio, eles não têm acesso ao Regimento Interno do lugar onde estão se hospedando.

É nessa hora que todas as dúvidas dos moradores caem nas costas do síndico, afinal, ele é o responsável pela administração do condomínio e ele deve resolver a situação não é mesmo?

Por isso sempre aconselhamos ao Senhor Síndico que antes de tudo ele verifique o que a Convenção diz. Isso prepara melhor o síndico para lidar com a situação.

Atualmente nossos tribunais vêm entendendo que a utilização da unidade residencial para fins de hospedagem (hotelaria), em razão de sua rotatividade, altera a rotina e a segurança do condomínio, autorizando as medidas protetivas e proibitivas aos moradores.

A principal teoria utilizada por nossos Tribunais para a aplicação do entendimento acima exposto é a “Teoria da Pluralidade dos Direitos Limitados”.

Esta teoria assevera que, em função das múltiplas propriedades dentro do condomínio, existe limite entre o exercício do direito de propriedade individual e o interesse coletivo.

Ou seja, existindo conflito entre o direito individual (direito de utilizar a propriedade como bem entender), e o direito coletivo (direito de vizinhança que limita o direito de propriedade), prevalece o direito coletivo.

Vejamos o que diz a jurisprudência:

“CONDOMÍNIO – Ação de obrigação de não fazer com pedido de tutela de evidência – Decisão de Primeiro Grau que revogou a liminar anteriormente concedida, para fim de obstar o condomínio de vedar ou criar embaraços à locação dos imóveis das autoras na modalidade ‘online’ por temporada (AIRBNB) – Regulamento Interno do Condomínio que veda tal prática – Utilização de imóvel residencial com contornos de hotelaria, em condomínio, configurando-se, tal modalidade, na prática, uma atividade com fins comerciais – Alta rotatividade de pessoas no condomínio, que altera a rotina e a segurança do local, não se vislumbrando, por ora, restrição ao direito de propriedade, mas sim, medida proibitiva e protetiva do interesse geral dos moradores – Decisão mantida – Recurso não provido.” (TJ-SP – AI: 21870813420188260000 SP 2187081-34.2018.8.26.0000, Relator: Carlos Nunes, Data de Julgamento: 07/01/2019, 31ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/01/2019)

Muitos Tribunais também entendem que essa proibição deve ser feita em Convenção ou por Assembleia de Condôminos, tendo em vista a sua soberania:

“APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA – UNIDADE CONDOMINIAL QUE PASSOU A SER LOCADA POR CURTA TEMPORADA ATRAVÉS DE PLATAFORMAS DIGITAIS – SITUAÇÃO QUE SE ASSEMELHA A HOTELARIA E HOSPEDARIA – CARACTERÍSTICA NÃO RESIDENCIAL – CONVENÇÃO CONDOMINIAL E REGIMENTO INTERNO QUE PREVEEM A FINALIDADE ESTRITAMENTE RESIDENCIAL – IMPOSSIBILIDADE DO TIPO DE LOCAÇÃO PRETENDIDA PELO AUTOR – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO.” (TJ-SP – APL: 10273265020168260100 SP 1027326-50.2016.8.26.0100, Relator: Cesar Luiz de Almeida, Data de Julgamento: 15/10/2018, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/10/2018).

“AÇÃO ANULATÓRIA DE DECISÃO ASSEMBLEAR E DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Assembleia condominial que, por maioria, deliberou proibir a locação por temporada. Restrição ao direito de propriedade. Matéria que deve ser versada na convenção do condomínio. Ocupação do imóvel por pessoas distintas, em espaços curtos de tempo (Airbnb) que não descaracteriza a destinação residencial do condomínio. Precedentes. Recurso desprovido.” (TJ-SP 10658504020178260114 SP 1065850-40.2017.8.26.0114, Relator: Milton Carvalho, Data de Julgamento: 12/07/2018, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/07/2018).

Portanto, o condômino, pode sim utilizar da propriedade como bem lhe entender, porém deve respeitar sempre os limites do direito de propriedade, zelando pelo direito de vizinhança (sossego, saúde, segurança e bons costumes).

O condomínio, em sua Convenção ou até mesmo em Assembleia, pode limitar o uso da propriedade, sempre respeitando os direitos fundamentais, a soberania das decisões, a finalidade do prédio (residencial ou não) e acima de tudo, o interesse coletivo.


MIGUEL ZAIM – (Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Especialista em Direito Imobiliário, Direito e Processo Penal, Direito e Processo Civil, Direito Constitucional, Direito Tributário, e Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB Mato Grosso).


 

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